NOVOS CÉUS E NOVA TERRA
Apocalipse 21.1-5
Por: César Augusto Delgado
O livro de Apocalipse nos leva a olhar para três direções. Para o passado em fé, para o presente em fé e amor e para o futuro em esperança. Para o passado, olhamos para o Cristo que já veio. Ele já pagou o preço de nossa redenção, já alcançou a vitória, já perdoou os nossos pecados. Para o presente, olhamos para o Cristo que está verdadeiramente presente conosco através da Palavra e dos Sacramentos. Nele temos perdão pleno e nova vida todos os dias. Vivemos do Seu amor que nos leva a viver em amor ao próximo. E para o futuro, olhamos para o Cristo que virá com o propósito de, dentre outros eventos, criar novos céus e nova terra onde habitará justiça plena.
O Já e o Ainda Não
Pela graça de Deus cremos no Salvador que já veio. Confiamos no Cristo que cumpriu a Lei, sofreu, morreu e ressuscitou em nosso lugar. Já temos a salvação em Jesus Cristo. Será que temos ainda coisas para esperar do Senhor? Sim, sem dúvida. Mas, não é suficiente olhar para obra de Cristo e receber no presente Seu perdão nos meios da graça? Se temos fé, precisamos de esperança?
Como cristãos vivemos o já e o ainda não. Já somos santos pela justiça de Cristo, mas também continuamos pecadores. Somos novas criaturas em Cristo (2 Co 5.17), mas ainda também somos velhas criaturas (Rm 7). Há uma tensão constante em nossas vidas entre a nova e a velha criatura. No Batismo ressuscitamos espiritualmente e vivemos a vida celestial, mas há também o ainda não; ainda esperamos a volta de Jesus, a ressurreição do corpo e a vida eterna. Já vivemos nesse mundo a vida com Deus, mas ainda há sofrimentos, dúvidas, incertezas e medo. Ainda somos pecadores, sentimos os efeitos do pecado e sofremos com eles.
Desde já temos e vivemos as bênçãos do reino de Deus em Jesus: perdão, vida e salvação. Mas ainda temos pecado? Há ainda doença e morte? O Evangelho olha para a frente e proclama esperança. Tudo está feito, mas ainda há mais por vir! Cristo completou Sua obra com Sua morte e ressurreição, e por meio dessa obra garantiu e selou grandes e maravilhosas dádivas que fará no futuro.
Infelizmente, corriqueiramente nos esquecemos do futuro eterno que temos em Cristo. Focamos apenas no presente e no futuro que almejamos para nossa realidade neste mundo. Neutralizamos nossos sentimentos. Tapamos nossos ouvidos para os gemidos de tristeza e sofrimento. Fechamos nossos olhos para o sofrimento escancarado.
Porém, para que não esqueçamos totalmente, há uma realidade objetiva: o mundo a nossa volta assusta. Por todos os lados há os gemidos de tristeza e o sofrimento está como uma ferida aberta. A fome continua sendo uma triste realidade em nosso país (como em vários outros países) e pessoas estão realmente morrendo de fome. Por todo o mundo há fome, desemprego, doença e morte. No Oriente Médio e na África radicais continuam a trazer a violência e desespero. No Brasil, o desemprego, as drogas e a miséria estão bem perto de nós. O número de mortes de bebês, por abortos provocados e criminais, é imenso. Vivemos num mundo que precisa de esperança, em uma criação que é incapaz de manifestar plenamente a paz de Deus.
O apóstolo Paulo resume tudo isso desta forma: “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo. Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? ” Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos. ” (Rm 8.18-25).
Paulo afirma que gememos em nosso íntimo esperando a redenção final, a vida na eternidade. E nos aconselha a esperar com paciência. O mesmo apóstolo também afirma que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1 Co 15.19). Pois Cristo conquistou e promete mais para nós. Alegrias eternas, sem fim. Mas quando será isso? Justamente para esperarmos com paciência, a Escritura não nos diz a data. O que sabemos é que isso se dará, de forma definitiva, quando Cristo retornar no último dia. Na Sua vinda, Ele criará novos céus e nova terra (Is 65.17; 66.22; 2 Pe 3.13; Ap 21.1).
Fim do Mundo
No entanto, para que haja novos céus e novo terra é preciso que os atuais céus e terra cheguem ao fim. Por isso, no Dia do Senhor, na vinda do Senhor Jesus, haverá o fim do mundo (2 Pe 3.6, 10-12). Toda a criação de Deus estará envolvida nesse evento. É a consumação de todo o Universo criado por Deus. Todas as criaturas (com exceção dos anjos e dos seres humanos) serão destruídas por fogo, como afirma o texto 2 Pedro 3.
A sequência dos eventos no Dia do Senhor será a seguinte: O Senhor Jesus descerá visivelmente do céu; todos os mortos ressuscitarão e os cristãos vivos serão transformados; em seguida, todos serão arrebatados para as nuvens e se encontrarão com o Senhor nos ares, para serem julgados (1 Ts 4. 15-17); ao mesmo tempo, o mundo será destruído (KOEHLER, 2002, p. 219). Após esses eventos serão criados “novos céus e nova terra”.
“A respeito do fim do mundo, duas explicações têm sido sugeridas por teólogos para tratar da forma como este acontecerá, ou por “niilização” ou por “transformação” (LINDEN, 2013, p. 120). Os que defendem a niilização afirmam que, assim como no princípio o mundo foi criado do nada, será reduzido a nada no fim. Entendem que toda a estrutura e substância do céu, da terra e das coisas criadas serão reduzidas a nada por meio do fogo. Se apoiam em textos como Lucas 21.33, Hebreus 1.11, Mateus 24.3, Isaías 65.17.
Não é impossível que a aniquilação total aconteça e que, do nada, Deus crie um mundo novo. Todavia, os textos citados a favor da niilização não são convincentes. “Pois em nenhum lugar os verbos gregos dos textos que são traduzidos por passar, perecer, mudar-se e consumar são usados, nos seus primeiros sentidos, como sinônimos de reduzir a nada, destruir ou aniquilar” (HEIMANN, 1970, p. 21). Pois “criar” não quer dizer apenas fazer algo a partir do nada. Deus criou o homem (Gn 1.27), mas o homem foi feito do pó da terra (Gn 2.7). O verbo “perecer” também não prova que haverá niilização de toda substância, pois o primeiro mundo pereceu em água (2 Pe 3.6), mas sua substância não foi reduzida ao nada; mesmo que, sem dúvidas, tenham sido radicalmente mudadas na aparência, forma e condição (KOEHLER, 2002, p. 219). Os verbos no grego parecem indicar uma renovação e transformação e não aniquilamento total.
Os que defendem a renovação ou transformação (como o presente autor deste ensaio) sustentam que a “aparência” do mundo presente certamente será destruída pelo fogo, mas não sua substância fundamental. Dessa substância, que permanecerá, serão formados novos céus e nova terra. E isso da mesma forma como do pó e das partículas espalhadas dos corpos dos mortos surgirão novos corpos na ressurreição. No fim do mundo, a forma, o tamanho, a condição e a aparência do presente Universo passará por mudança (1 Co 7.31), mas sobrará uma substância que servirá de matéria-prima para a formação dos novos céus e nova terra.
Há bons argumentos exegéticos para ambos os lados, embora pendam mais para a renovação ou transformação. Nenhum teólogo é herege por ensinar uma maneira ou a outra.
“O Novo Testamento não deixa dúvidas de que o atual Universo não continuará eternamente como se encontra hoje” (LINDEN, 2013, p. 120). E a Escritura, como um todo, nos faz a promessa certa de uma criação nova, que no texto de Apocalipse 21 e em outros textos é chamada de novos céus e nova terra. Pois o nosso Deus não desistiu da Sua criação.
Novos Céus e Nova Terra
O primeiro escritor bíblico a descrever os novos céus e a nova terra é o profeta Isaías. Em Isaías, Deus promete: "Eis que crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas; e nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem clamor" (Is 65.17). Em Isaías está a primeira promessa, a primeira profecia explícita que Deus mesmo faz sobre o novo céu e a nova terra.
No Novo Testamento, Pedro afirma a esperança cristã por “novos céus e nova terra onde habita justiça” (2 Pe 3.13). No livro de Apocalipse, capítulos 21 e 22, João faz uma descrição bem mais completa do que os outros escritores, porque ele, numa revelação toda especial de Deus, pode "ver as coisas que em breve devem acontecer" (Ap 1.1).
Para tornar mais ou menos compreensível aquilo que será o novo mundo, o apóstolo emprega muitos símbolos e figuras de linguagem, como: o tabernáculo de Deus, a cidade santa e o paraíso restaurado. Assim, numa linguagem figurada, o apóstolo descreve os novos céus e a nova terra: "Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe. Então ouvi grande voz do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens, Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com eles" (Ap 21. 1-3).
Sobre as características do mundo novo a Escritura, no seu todo, indica que no novo mundo existirá uma continuidade e uma descontinuidade com a atual criação.
A continuidade entre a nova criação e a presente pode bem ser sugerida pelos termos gregos usados para "novo". “A palavra traduzida por "novo" (kainós) em 2 Pe 3.13 e Ap 21.1 normalmente significa novo em natureza ou em qualidade, em contraste com outra palavra grega (neós), que normalmente designa aquilo que é novo em tempo ou origem” (BEHM, p. 447-50).
Isaías descreve os novos céus e nova terra como um mundo novo, com vinhas e harmonia perfeita mesmo no reino animal (65.17-25; cf. 11.6-9). Joel e Amós descrevem como uma terra rica, que destila vinho e leite (Jl 3.18; Am 9.13,14). Ezequiel a retrata como uma terra vivificada com água viva (47.1-12).
João fala dela em termos de um novo jardim do Éden (Ap 22.1-4) e como uma nova Jerusalém, feita de preciosas pérolas (Ap 21.10-27; cf. Is 52.1; Ez 40-48). Todas estas descrições são, obviamente, escritas em linguagem poética e figurada, cujos detalhes não deveriam ser interpretados de uma forma literal. Entretanto, Paulo em Romanos 8 deixa claro que a nova criação será, de uma certa forma, semelhante à presente criação. Não devemos nos sentir embaraçados pela descrição aparentemente "terrena" feita pela Escritura, nem devemos tentar transcender sua descrição com base na razão humana ou numa "espiritualização" que despreza o fato de sermos criaturas. Somos criaturas hoje e, no novo mundo, continuaremos a ser criaturas. Os novos céus e nova terra serão um lugar criado, um lugar físico.
Todavia, como vimos nos pontos sobre o fim do mundo, existirão também elementos de descontinuidade entre o mundo que conhecemos e o mundo futuro. Os presentes céus e terra "passarão" (Mt 5.18; 24.35; Mc 13.31; Lc 16.17; 21.33; Ap 20.11; 21.1). Eles envelhecerão e serão enrolados como um manto (Hb 1.10-12; Sl 102.26-28) e estão sendo agora reservados para o fogo (2 Pe 3.7). Os corpos celestes (sol, lua, estrelas) serão dissolvidos pelo fogo (2 Pe 3.10). Os céus serão enrolados como um pergaminho (Is 34.4; Ap 6.14). As montanhas e as ilhas serão removidas (Ap 6.14; 16.20). A terra ficará desolada e será consumida (Sf 1.18). "A terra e as obras que nela existem serão atingidas" (2 Pe 3.10).
A nova criação consistirá numa nova ordem de coisas. O dia será contínuo, sem noite, nem sol, nem lua, já que Deus e o Cordeiro serão a luz e a lâmpada (Ap 21.23; 22.5; Zc 14.6,7; Is 60.19-20). Ordenações como o casamento e o governo cessarão (Mt 22.30; Mc 12.25; Lc 20.34,35; 1 Co 6.1-11).
Para não se pensar (erroneamente) em dois lugares diferentes, os novos céus num lugar e uma nova terra em outro, é necessário perceber a ênfase do texto de Apocalipse 21. Ele enfatiza que céus e terra serão unidos em harmonia, como o lugar da presença de Deus. Este é o ponto de Ap 3.12 e 21.2,3, que descreve a Jerusalém celeste descendo. No novo mundo criado por Deus (novos céus e nova terra) estaremos em perfeito relacionamento com Deus, vendo-o como Ele é (1 Jo 3.2). (CTRE, Os Tempos do Fim, p. 34-5)
No novo céu e nova terra, teremos a presença definitiva e eterna de Deus conosco. E isso significa que “as primeiras coisas passaram” (Ap 21.4). Essas “primeiras coisas” são uma referência a tudo aquilo que está ligado à triste realidade que o pecado causou na primeira criação de Deus. Isso agora deixa de existir, dando lugar à nova criação de Deus. A presença de Deus plenamente com Seu povo significa a negação de tudo o que caracterizava negativamente a vida passada. Todo o mal deixa de existir, pois o mal não pode conviver com a presença imediata de Deus. O propósito da primeira criação será plenamente realizado. Não haverá nenhuma possibilidade de queda. Todas as coisas serão novas (Ap 21.5), eternamente novas, sem jamais se tornarem corruptas ou corruptíveis. (LINDEN, 2016, p. 208).
Nas primeiras páginas da Bíblia encontramos um paraíso perfeito, no qual os seres humanos viviam com Deus em felicidade. Nas últimas páginas da Bíblia reencontramos novamente o paraíso perfeito, no qual Deus, depois de uma transformação total, colocará todos os redimidos.
No paraíso restaurado, seremos as mesmas pessoas que somos agora (não perderemos nossa identidade) todavia sem pecado e com um corpo glorioso (Fp 3.21). Lá iremos reencontrar nossos familiares e todos os nossos queridos (Mt 17.3-4; Lc 16.19-31; 20.37-38). Estaremos para sempre com o Senhor, sem sofrimento, sem morte, sem lágrimas, nem dor, nem doenças e nem fome (Ap 21.4). Tudo será pleno e perfeito.
A Esperança que nos Consola e Move
O livro de Apocalipse, em vários quadros, nos mostra as grandes tribulações e perseguições que sofremos no mundo. Todavia, deixa claro que em Cristo já temos a vitória e que Deus nos susterá e guardará para si. Não deixa dúvidas de que a vitória é do Cordeiro e de Sua Igreja. O livro, no seu final, como que com chave de ouro, nos mostra a concretização do reino de Deus, do reinar de Deus com seu povo sem pecado e morte no novo mundo, trazendo grande certeza e consolo.
Era com esta certeza e esperança que Jesus consolava os Seus discípulos, quando estavam tristes e desanimados. Dizia ele: "Não fiquem tristes e preocupados... eu vou preparar um lugar para vocês. E depois, quando eu preparar um lugar para vocês, voltarei e os levarei comigo, para que onde eu estiver, estejam vocês também" (João 14.1-3).
A certeza e a esperança de um dia estarmos nos novos céus e nova terra, ao lado do Salvador Jesus, é uma fonte de constante consolo e força para enfrentarmos as dificuldades da vida e vivermos a fé ativa no amor aqui neste mundo.
E o “ingresso” para os novos céus e nova terra é um só: Cristo, Sua obra redentora por nós, Sua justiça que cobre todos os nossos pecados (Jo 14.6; Ap 22.14). Na fé em Cristo estamos salvos, aguardando a redenção final.
Por isso, feliz é a pessoa que tem esse Cristo, essa esperança, que consegue olhar para além deste mundo que sofre com o pecado e sofrimento e ver a eternidade, onde nos aguarda um novo mundo, cheio de alegria, de paz e felicidade.
Enquanto esperamos, continuamos vivendo a vida que Deus nos deu em gratidão, alegria, amor e testemunho do Evangelho. Cobertos com o perdão de Cristo e com os corações ansiosos para ver Jesus definitivamente. Amém! Vem Senhor Jesus!
Referências
BEHM, Johannes. “Kainos”. Theological Dictionary of the New Testament. Ed. Gerhard Kittel. Grand Rapids: Eerdmans, 1989.
BÍBLIA SAGRADA. Almeida Revista e Atualizada, 2ª ed. 1988, 1993 – Sociedade Bíblica do Brasil.
CTRE – LCMS. Os Tempos do Fim: Um estudo sobre Escatologia e Milenarismo.2ª edição. Tradução de Gerson L. Linden. Porto Alegre: Concórdia, 2012.
HEIMANN, Leopoldo. Novos Céus e Nova Terra. In: Revista Igreja Luterana, 31, 1970.
KOEHLER, Edward W.A. Sumário da doutrina cristã. Porto Alegre: Concórdia, 2002,
LINDEN, Gerson Luis. Estudos no livro de Apocalipse. Canoas: Ed. ULBRA, 2016.
LINDEN, Gerson Luis. Teologia sistemática IV – tópicos em teologia escatológica. Canoas: Ed. ULBRA, 2013.
